terça-feira, 25 de agosto de 2009

Negros? No Ceará?



Comunidades quilombolas, uma realidade nossa que passa por nós despercebida

Sim, fomos visitar uma comunidade Quilombola e ao chegarmos lá nos surpreendemos do início ao fim. Encontramos personagens que nos tocaram por seu jeito singular, herdado de seus antepassados, sendo muitas vezes desconhecidos por eles mesmos. O nome da comunidade é Alto Alegre, que cai como uma luva, pois é notória a alegria que as pessoas sentem em receber e conversar com outros indivíduos interessados em compreender aquela cultura.

Inúmeras histórias, inesquecíveis experiências que tentaremos compartilhar aqui com vocês. Para isso é importante frisar alguns dos personagens que são fundamentais para a comunidade.

Tereza de Jesus, que na verdade atende por Ana, mulher de personalidade forte que sempre lutou pelos ideais da comunidade. Teve ajuda de muita gente, uma delas foi Eveline, professora que passou pela comunidade e ajudou a montar o histórico de Alto Alegre, sua contribuição foi fundamental para o reconhecimento da mesma que ocorreu em 2005. Apesar de ser Quilombola, percebemos que a comunidade perdeu muito dos seus traços de origem, por exemplo, a religião predominante lá é o catolicismo, porém existe sim terreiro Umbanda, religião Afro-Brasileira que trabalha com orixás (semelhantes a santos) e oferendas, mas desconhecido por alguns dos integrantes de Alto Alegre.

Conhecemos também Coelho que desempenha um papel que merece ser destacado. Ele é Ogan de umbanda, de acordo com ele, uma patente ainda mais alta que Pai de santo. Atua como curandeiro, reza em crianças para tirar mal olhado e ainda faz com que aquela pessoa que você ama se apaixone por você. Também nesse ramo de cura, porém com outros meios, como remédios a base de ervas, conhecemos Maria de Sousa belmino, para os íntimos apenas Sóis.

Sóis é literalmente a farmácia de Alto Alegre, faz todo tipo de remédio, do lambedor, usado para combater a gripe ao remédio para tirar menino, que de acordo com ela é o que mais sai. Afirmou que tudo que sabe aprendeu vendo o pai fazer e disse mais, “Para complementar a minha renda cato latas, vidros e sucatas na comunidade”.

Tem também a Davel, uma das moradoras mais antigas da comunidade. Parteira, que já perdeu a conta de quantos meninos botou no mundo e ainda é neta da finada Ana Benta, que foi escrava.

É impressionante, ou até mesmo inacreditável, mas por volta de quatro anos atrás, ainda existia exploração, escravidão mesmo por ali. Conversando com alguns moradores ouvíamos constantemente falar no nome da família Nogueira, então procuramos saber um pouco mais dessa família pelos próprios moradores. Os Nogueira possuem um grande território na comunidade Alto Alegre e usavam mão de obra de muitos moradores dali sem pagar nada pelos serviços prestados. Quer dizer, até pagavam, os integrantes da comunidade ganhavam comida em troca de trabalho. Apesar disso hoje em dia aparentemente ter acabado, a família Nogueira ainda é dona de muitas terras por ali.

A comunidade em si é semelhante a um distrito de interior, tento como principal fonte de diversão um forrozinho pé de serra aos sábados, freqüentado por toda a família, da vovó ao netinho. Os demais eventos tradicionais dos quilombos ainda sobrevivem, mas tem data para comemoração é como as quadrilhas ou o carnaval, com o dia certo de começar e também de terminar. No mês de maio ocorrem os festejos quilombos, tendo como atração: Dança do fogo, Capoeira, maculelê (mulheres dançam e homens tocam os instrumentos) entre outras coisas.

Em fim, chegamos sábado de tarde à comunidade e fomos embora domingo a noite, com um fim triunfal, de carroça até a pista pegar o ônibus! Deixamos para traz pessoas com histórias fascinantes que lutaram ontem e lutam hoje para ser reconhecidas e valorizadas. É a nossa cultura, passando despercebida por nós, uma realidade que parece ser ignorada pela maioria das pessoas, mas que sobrevive.


PRODUÇÃO: Candice Machado, Hévilla Lima e Samyr.


TEXTO: Hévilla Lima.


FOTO: Candice Machado.

2 comentários:

  1. Uma comunidade com muito a ensinar! Vivenciamos um mundo simples e intenso, capaz de tornar todos nós, que lá estivemos, mais do que apenas viajantes, mas parceiros eternos de uma história e cúmplices de um mesmo sonho: proclamar ao restante do mundo a possibilidade de resistir e transformar, por menor e mais esquecido que alguém seja.

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  2. Tanto a aprender, com pessoas que julgamos as vezes nao ter nada a ensinar. gente simples e sem estudo as vezes, mas com um conhecimento de vida sem comparação, o que esse povo sofre e ja sofre, mais que uma boa aula rende com certeza.

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